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Paris Spleen QUOTES

47 " »En verdad, querida, me molestáis sin tasa y compasión; diríase, al oíros suspirar, que padecéis más que las espigadoras sexagenarias y las viejas pordioseras que van recogiendo mendrugos de pan a las puertas de las tabernas.
»Si vuestros suspiros expresaran siquiera remordimiento, algún honor os harían; pero no traducen sino la saciedad del bienestar y el agobio del descanso. Y, además, no cesáis de verteros en palabras inútiles: ¡Quiéreme! ¡Lo necesito «tanto»! ¡Consuélame por aquí, acaríciame por «allá»! Mirad: voy a intentar curaros; quizá por dos sueldos encontremos el modo, en mitad de una fiesta y sin alejarnos mucho.
»Contemplemos bien, os lo ruego, esta sólida jaula de hierro tras de la cual se agita, aullando como un condenado, sacudiendo los barrotes como un orangután exasperado por el destierro, imitando a la perfección ya los brincos circulares del tigre, ya los estúpidos balanceos del oso blanco, ese monstruo hirsuto cuya forma imita asaz vagamente la vuestra.
»Ese monstruo es un animal de aquéllos a quienes se suelen llamar “¡ángel mío!”, es decir, una mujer. El monstruo aquél, el que grita a voz en cuello, con un garrote en la mano, es su marido. Ha encadenado a su mujer legítima como a un animal, y la va enseñando por las barriadas, los días de feria, con licencia de los magistrados; no faltaba más.
¡Fijaos bien! Veis con qué veracidad —¡acaso no simulada!— destroza conejos vivos y volátiles chillones, que su cornac le arroja. “Vaya —dice éste—, no hay que comérselo todo en un día”; y tras las prudentes palabras le arranca cruelmente la presa, dejando un instante prendida la madeja de los desperdicios a los dientes de la bestia feroz, quiero decir de la mujer. "

Charles Baudelaire , Paris Spleen

49 " O tempo desapareceu; é a Eternidade que reina, uma eternidade de delícias!
Mas uma batida terrível, pesada, fez estremecer a porta e, como em um pesadelo infernal, senti ter levado uma agulhada na boca do estômago.
E em seguida um Espectro entrou. Um funcionário que vem me torturar em nome da lei; uma concubina infame que vem chorar misérias e acrescentar as trivialidades da sua vida às dores da minha; ou ainda o faz-tudo enviado pelo diretor do jornal a exigir a entrega do manuscrito.
O quarto paradisíaco, o ídolo, a soberana dos sonhos, a Sílfide, como dizia o grande René, toda essa magia desapareceu com a batida brutal do Espectro.
Que horror! Agora lembro, lembro! Sim! Esse pardieiro, residência do tédio eterno, é bem o meu. Aí está a mobília vulgar, coberta de pó, lascada;
a lareira sem chama e sem brasa, imunda de escarros: as melancólicas janelas em que a chuva cavou sulcos na poeira; os manuscritos, riscados ou incompletos; o calendário onde o lápis ressaltou as datas fatídicas!
E esse perfume de outro mundo, no qual eu me embriagava com uma refinada sensibilidade, ai de mim! Foi substituído pelo cheiro fedorento de tabaco misturado a sabe-se lá que tipo de mofo. Respira-se já aqui o ranço da desolação.
Nesse mundinho pequeno, mas farto de desgosto, só um objeto conhecido me sorri: a garrafinha de láudano; velha e espantosa amiga;
como todas as amigas, aliás! Fértil em carícias e traições.
Ah, sim! O Tempo está de volta, o Tempo reina agora soberano; e junto com o velho repugnante retornou o seu cortejo demoníaco de Lembranças, de Arrependimentos, de Espasmos, de Medos, de Angústias, de Pesadelos, de Cóleras, de Neuroses.
Eu lhes asseguro que todos os segundos são agora forte e solenemente acentuados, e cada um deles, brotando do pêndulo, diz:
– Sou a Vida, insuportável, implacável! "

Charles Baudelaire , Paris Spleen