Home > Author > Mohamedou Ould Slahi

Mohamedou Ould Slahi QUOTES

2 " Vamos falar de hipóteses. Você entende o que é hipótese?” ■■■■■■■■■■■■■■■■■ perguntou.
“Sim, entendo.”
“Vamos supor que você tenha feito o que confessou.”
“Mas eu não fiz.”
“É só uma suposição.”
“Está bem”, disse eu. Apesar de sua alta posição, ■■■■■■■ ■■■■■■■■■■■ era o pior interrogador que já conheci. Quero dizer, do ponto de vista profissional. Ele saltava daqui para ali sem nunca se concentrar numa coisa específica. Se tivesse de fazer uma avaliação, eu diria que o trabalho dele deveria ser qualquer coisa menos interrogar pessoas.
“Entre você e ■■■■■■■■■■■ , quem era o responsável?”
“Depende. Na mesquita eu era o responsável, fora era ele”, respondi. As perguntas davam por certo que Hannachi e eu éramos membros de uma gangue, mas eu nem sequer conhecia o sr. ■■■■■■■■■■■■ , que dirá ter conspirado com ele como parte de um grupo que nunca existiu. Mas eu não podia dizer uma coisa dessas a ■■■■■■■■■■■■■■■■■■ ; tinha de dizer algo que me fizesse parecer mau.
“Você conspirou ou não com essas pessoas, como reconheceu?”
“O senhor quer a verdade?”
“Sim!”
“Não, não conspirei”, eu disse. ■■■■■■■■■■■■■■■■■ e ■■■■■■■■■■■■■■ tentavam me pregar todo tipo de peça, mas primeiro, eu conhecia todas as peças, e segundo, eu já tinha dito a
verdade a eles. Portanto, era inútil me pregar peças. Mas eles me puseram num infame beco sem saída: se mentisse, “Você vai sentir o peso da nossa cólera”; se dissesse a verdade, ia parecer bonzinho, o que os levaria a crer que eu estava ocultando informações porque aos olhos deles EU SOU UM CRIMINOSO e eu ainda não tinha como mudar essa opinião. "

Mohamedou Ould Slahi , Guantánamo Diary: Restored Edition

5 " Mas a realidade sempre caía sobre mim assim que eu acordava em minha cela fria e escura, mantendo os olhos abertos só por um momento na tentativa de voltar a dormir e viver aquilo de novo. Levei várias semanas para aceitar que estava preso e que não iria para casa tão cedo. Por mais duro que fosse, esse passo foi necessário para me fazer entender minha situação e agir com objetividade para evitar o pior, em vez de perder tempo com as peças que minha mente me pregava. Muita gente não supera essa fase: perde o juízo. Vi muitos detentos que acabaram ficando loucos.
A fase dois chega quando você entende de verdade que está na prisão e que não possui nada além de todo o tempo do mundo para pensar na vida — embora em GTMO os detentos tenham também de se preocupar com os interrogatórios diários. Você entende que não tem controle sobre nada, que não decide quando vai comer, quando vai dormir, quando vai tomar banho, quando vai acordar, quando vai ao médico, quando vai estar com o interrogador. Não tem privacidade alguma; nem para expelir uma gota de urina sem ser vigiado. No começo, é horrível perder todos os privilégios num piscar de olhos, mas ainda que pareça mentira, as pessoas se acostumam. Eu mesmo me acostumei.
A fase três consiste em descobrir sua nova casa e sua nova família. Sua família é integrada por carcereiros e interrogadores. Certo, você não escolheu essa família, nem foi criado nela, mas seja como for é uma família, goste você ou não, com todas as vantagens e desvantagens. Eu pessoalmente amo minha família e não a trocaria por nada no mundo, mas criei uma família na cadeia com a qual também me preocupo. Cada vez que um membro de minha família atual vai embora, é como se um pedaço do meu coração estivesse sendo arrancado. Mas fico feliz quando um parente ruim tem de ir embora.
Fase quatro: acostumar-se à prisão e ter medo do mundo lá fora. "

Mohamedou Ould Slahi , Guantánamo Diary: Restored Edition

11 " A maior parte dos interrogadores voltava de mãos vazias dia após dia. “Nenhuma informação obtida da fonte”, era o que os interrogadores informavam todas as semanas. E exatamente como ■■■■■■■■■■■■■■ tinha dito, o ■■■■■■■■■■ estava desesperado para fazer os detentos falar. Assim, ■■■■■■■ montou um mini■■■■■■■■■ dentro da organização maior. Essa força-tarefa, que englobava gente do Exército, da Marinha, dos Fuzileiros Navais e civis, tinha como missão arrancar informações dos detentos. A operação foi cercada de máximo sigilo. ■■■■■■■■■■ era um personagem de destaque nesse subgrupo ■■■■■■ . Embora ■■■■■■■ fosse uma pessoa inteligente, davam a ele o serviço mais sujo da ilha e, por meio de uma espantosa lavagem cerebral, o levavam a crer que estava fazendo a coisa certa. ■■■■■■ estava sempre envolto num uniforme que o cobria da cabeça aos pés, porque ■■■■■■■■■ tinha consciência de que ele estava cometendo crimes de guerra contra detentos indefesos. ■■■■■■■■■■■■ era A Coruja da Noite, O Adorador do Diabo, O Homem da Música Alta, o Cara da Antirreligião, o interrogador por excelência. Cada um desses apelidos se justificava. ■■■■■■ tinha por hábito “entreter” os detentos que não estavam autorizados a dormir. Privou-me de sono durante cerca de dois meses, ao longo dos quais tentou subjugar minha resistência mental, sem sucesso. Para me manter acordado, ele resfriava ao máximo a temperatura de onde eu me achava, me obrigava a escrever todo tipo de coisa sobre minha vida, me dava água sem parar e às vezes me fazia ficar a noite inteira de pé. Um dia, me deixou pelado com ajuda de um carcereiro ■■■■■■■■■ para me humilhar. Outra noite, me pôs numa sala gelada cheia de fotos propagandísticas dos Estados Unidos, inclusive uma foto de George W. Bush, e me fez ouvir mil vezes o hino nacional americano.
■■■■■■ cuidava de diversos detentos ao mesmo tempo. Eu ouvia muitas portas batendo, música alta e detentos indo e vindo, o barulho das pesadas correntes denunciando sua presença. ■■■■■ punha os detentos numa sala escura com imagens que supostamente representavam demônios. Fazia os detentos ouvir música de ódio e fúria, e a música “Let the Bodies hit the Floor” mil vezes, a noite inteira, na sala escura. Ele era muito explícito sobre seu ódio ao islã, e proibia terminantemente qualquer prática islâmica, inclusive as orações e a recitação do Corão. "

Mohamedou Ould Slahi , Guantánamo Diary: Restored Edition

12 " Mas, acreditem se quiser, vi carcereiros chorando porque tinham de sair de seu posto em GTMO.
“Sou seu amigo, não me importa o que digam”, disse-me um dos carcereiros antes de ir embora.
“Disseram-me coisas ruins de você, mas minha opinião não é bem essa. Gosto muito de você e gosto de falar com você. Você é uma grande pessoa”, disse outro.
“Espero que você seja solto”, disse ■■■■■■■■ com sinceridade.
“Vocês são meus irmãos, todos vocês”, sussurrou um outro.
“Eu te amo!”, disse uma vez um ■■■■■■■■ militar a meu vizinho, um garoto engraçado com quem eu mesmo gostava de conversar. Ele ficou impressionado.
“O que… Aqui não amor… Sou muçulmano!” Ri um bocado por causa daquele amor “proibido”.
Mas eu mesmo não consegui segurar o choro um dia, quando vi um carcereiro ■■■■■■■■ descendente de alemães chorando porque ■■■■■■■■ tinha sido um pouco machucado. O engraçado é que eu escondi meus sentimentos porque não queria que fossem mal interpretados por meus irmãos, ou vistos como fraqueza ou traição. Por um momento me odiei e fiquei profundamente confuso. Comecei a me fazer perguntas sobre as emoções humanitárias que eu vinha experimentando em relação a meus inimigos. Como é possível chorar por alguém que lhe causou tanta dor e destruiu sua vida? Como é possível gostar de alguém que por ignorância odeia a sua religião? Como se pode conviver com essa gente má que continua maltratando seus irmãos? Como se pode gostar de alguém que trabalha dia e noite para incriminar você? Eu estava numa situação pior que a de um escravo: pelo menos um escravo não está sempre posto a ferros, tem uma relativa liberdade e não precisa ouvir as bobagens de um interrogador todos os dias.
Eu sempre me comparava a um escravo. Os escravos eram levados da África à força, como eu fui. Os escravos eram vendidos várias vezes antes de chegar ao destino final, como eu fui. Os escravos eram destinados de uma hora para outra a alguém que eles não tinham escolhido, como eu fui. E quando eu examinava a história dos escravos, notava que eles acabavam sendo uma parte essencial da casa de seu senhor. "

Mohamedou Ould Slahi , Guantánamo Diary: Restored Edition

13 " Por que você me proíbe de rezar sabendo que isso é ilegal?”, perguntei a ele quando ficamos amigos.
“Poderia não ter feito isso, mas teriam me dado algum trabalho sujo.” Ele me contou também que ■■■■■■■■■■■■■■■ ■■■■■■■ tinha dado a ordem de me impedir de praticar qualquer atividade religiosa. ■■■■■■■■■■■■■■■■■■ disse ainda: “Vou para o inferno por ter proibido você de rezar”.
■■■■■■■■■■■ ficou felicíssimo quando recebeu ordens para me tratar bem. “Na verdade, gosto mais de estar aqui com você do que estar em casa”, disse ele com franqueza. Era um cara muito generoso; trazia-me bolinhos, filmes e jogos de Play Station 2. Antes de ir embora, deixou que eu escolhesse entre dois jogos, Madden 2004 e Nascar 2004. Escolhi Nascar 2004, que ainda tenho.
Acima de tudo, ■■■■■■■■■■■■ proporcionava um bom entretenimento. Ele costumava exagerar e me contava todo tipo de coisa. Às vezes me dava informação demais, coisas que eu não queria nem devia saber.
■■■■■■■■■■■ era um viciado em jogos. Jogava videogames o tempo todo. Sou péssimo em videogames; não dou para isso. Sempre dizia aos carcereiros: “Os americanos não passam de bebês crescidos. Em meu país, não é adequado que uma pessoa da minha idade se sente diante de um console e perca tempo jogando videogames”. Com efeito, um dos castigos da civilização dos americanos é que eles são viciados em videogames. "

Mohamedou Ould Slahi , Guantánamo Diary: Restored Edition

14 " No começo do verão ■■■■■■■■ eles instalaram ■■■■■ ■■■■■■■■ perto de minha barraca e fomos autorizados a nos ver durante o recreio. ■■■■■■■■■ está mais para velho, tem cerca de ■■■■■■■■■■■■■■ de idade. ■■■■■■■■■■■■■ parecia não ter passado incólume pelo choque da detenção. Sofria de paranoia, amnésia, depressão e outros problemas mentais. Alguns interrogadores diziam que ele estava se fazendo de louco, mas na minha opinião ele estava completamente desvairado. Na verdade, eu não sabia o que pensar, mas não me importava muito. Eu estava louco por companhia, e ele era uma companhia.
No entanto, há um obstáculo para a aproximação dos detentos, sobretudo entre os que se conheceram no próprio campo: eles tendem a ser céticos em relação aos outros. Mas eu estava bastante descontraído a esse respeito porque na verdade não tinha nada a esconder.
“Eles te pediram para tirar informações de mim?”, ele me perguntou certa vez. Não fiquei impressionado porque supunha a mesma coisa em relação a ele. “■■■■■■■■■■ , relaxe e admita que estou aqui só para espionar você. Fique de boca fechada e não fale de nada que te faça ficar inseguro”, eu disse a ele.
“Você não tem segredos?”, ele perguntou.
“Não, não tenho, e lhe permito que revele qualquer coisa que possa ficar sabendo a meu respeito”, disse eu. "

Mohamedou Ould Slahi , Guantánamo Diary: Restored Edition