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" Se meu leito é triste cama de dormir, apenas, sem outra serventia, que importa? Tudo no mundo tem compensações. Nada melhor do que viver tranqüila, sem sonhos, sem desejos, sem se consumir em labaredas com o ventre aceso em fogo. Vida melhor não pode haver que a de viúva séria e recatada, vida pacata, liberta da ambição e do desejo. Mas, e se não for meu leito cama de dormir e, sim, deserto a atravessar, escaldante areia do desejo sem porta de saída? "
― Jorge Amado , Dona Flor and Her Two Husbands
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" O desejo nascia dela, de seu peito, do silêncio, do devaneio, da solidão, do sonho. Sem motivo, sem ponto de partida, sem semente nem raiz. Nascendo dela — “de minha ruindade mesmo, Norminha” —, de seu corpo em febre, crescendo naquela carne estrumada de ausência, de penúrias, de maldições; ânsia plantada no esterco de sua danação: "
― Jorge Amado , Dona Flor and Her Two Husbands
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" Tomada de surpresa ela deixou-se ir, e no beijo se rompeu a frágil e delgada casca da vergonha. A mão do esposo descera da anca para a perna, por sobre a camisola, e tocou sua borda de cambraia; e, mal dando tempo para que dona Flor de todo se abrisse e se soltasse do recato, lhe suspendeu rendas e babados. Sem gastar tempo em despi-la e em se despir, ou em carícias de deboche de cama de castelo, sempre pelo lençol coberto, se pôs sobre ela e logo a possuiu com vontade, força e encantamento. Foi tudo muito rápido e pudibundo, por assim dizer; muito diverso de quanto conhecera dona Flor, e por isso mesmo ela se perdeu e não o alcançou em tão mudo e quase austero possuir-se. Apenas se desamarrara no pasto do desejo e já ouvia o canto de vitória do marido no outro extremo da campina. Ficou dona Flor como perdida, opressa, uma vontade de chorar. "
― Jorge Amado , Dona Flor and Her Two Husbands
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" Quincas Berro Dágua, divertidíssimo, tentava passar rasteiras no cabo e no negro, estendia a língua para os transeuntes, enfiou a cabeça por uma porta para espiar, malicioso, um casal de namorados, pretendia, a cada passo, estirar-se na rua. "
― Jorge Amado , ميتتان لرجل واحد
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" — Por que pregar susto na gente, Berrito desgraçado? Tu bem sabe que tenho o coração fraco, o médico recomendou que eu não me aborrecesse. Cada ideia tu tem, como posso viver sem tu, homem com parte com o tinhoso? Tou acostumada com tu, com as coisas malucas que tu diz, tua velhice sabida, teu jeito tão sem jeito, teu gosto de bondade. Por que tu me fez isso hoje? — e tomava da cabeça ferida na peleja, beijava-lhe os olhos de malícia. "
― Jorge Amado , ميتتان لرجل واحد