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" Mesmo nas sociedades industriais mais avançadas de nossa época, a distância entre os mais elevados e os mais baixos níveis educacionais é enorme. O número de analfabetos declinou, o de pessoas "semi-educadas" aumentou. Muito do que é considerado característico da civilização do século XX, ostenta esse cunho — como resultado das deficiências dos sistemas educacionais contemporâneos, com todas as frustrações e desperdício de talentos que isso acarreta.
Entre os fatores mais ou menos superficiais na ascensão do movimento nacional-socialista estavam as peculiares características sociais de sua elite. A maioria dos líderes do partido era, de fato, "semi-educada". Eles eram — e isso não era incomum, em absoluto, para um movimento desse tipo — prescritos ou fracassados na antiga ordem, freqüentemente devorados por uma ambição ardente que os tornava incapazes de suportarem suas deficiências e de as admitirem para si mesmos. O sistema de crenças nazistas, com sua rala camada de verniz pseudocientífico espalhada sobre uma primitiva e bárbara mitologia nacional, foi um dos mais extremos sintomas do crepúsculo moral e intelectual em que eles viviam. Não as atraía, com poucas exceções, o fato de que tal sistema não podia resistir ao julgamento de pessoas mais educadas e isso foi provavelmente uma das razões pelas quais essas pessoas subestimaram com freqüência a seriedade da própria crença e a autenticidade dos sentimentos nela investidos. Poucos mitos sociais e, em especial, nacionais do nosso tempo estão livres de semelhantes falsidades e barbarismos. A doutrina nacional-socialista mostra, como num espelho deformador, algumas das mais flagrantes características comuns desses mitos. Não era incompatível com a fervorosa crença de Hitler na verdade fundamental do credo que professavam o fato de que ele e seus auxiliares eram mestres da dissimulação e da divulgação de mentiras deliberadas, que suas pregações continham uma forte dose de ódio, impostura e hipocrisia. De fato, o nacional-socialismo combinou muitos dos traços de um movimento religioso com os de um partido político. Vê-lo como tal, como um movimento que assenta numa crença sinceramente sustentada, é uma das primeiras condições prévias para entender o que aconteceu. O movimento começou como uma seita. Seu líder acreditou, desde o começo, em sua missão messiânica, em sua missão de salvador da Alemanha. Muitos de seus membros também creditavam nisso. E, transportados milagrosamente para o topo, no auge de uma jongada crise, tornou-se absoluta e inabalável a certeza de que suas crenças eram verdadeiras, seus métodos justificados e o êxito de sua missão predestinado. "
― Norbert Elias , The Germans
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" Se considerarmos o desenvolvimento de Estados neste século, damo-nos conta, repetidas vezes, de como a massa da população é realmente impotente, face a grupos institucionalizados relativamente pequenos, em especial os ocupantes de posições no governo, que tomam decisões sobre o bem-estar e, por vezes, a vida e morte das pessoas a quem governam. Com muita freqüência, resulta que essas decisões são desastrosos equívocos. Mas ainda que soubessem isso, os governantes dificilmente estariam em situação de mudar as coisas. Seus recursos de poder não teriam sido suficientes. E, na maioria dos casos, não se apercebiam de que eram as vítimas de decisões erradas, talvez se mostrassem até exultantes a tal respeito. Os movimentos de protesto, em geral, apenas demonstram a impotência dos governados — não só em relação ao seu próprio regime de governo, mas também em relação às decisões de outros governos de que depende o seu destino. "
― Norbert Elias , The Germans
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" Finalidades e crenças professadas são no máximo, com muita freqüência, impulsos secundários para a ação e talvez mera arma ideológica ou tela ideológica que encobre outros interesses mais estreitamente parciais que hoje, na falta de conceitos mais adequados, descrevemos como "realistas" ou "racionais". Nesses casos, a explicação de ações coletivas em função de tais finalidades e doutrinas é falaciosa, ilusória ou, no mínimo, altamente incompleta. Algumas vezes, porém, um curso de ação é determinado por nada mais forte do que um objetivo derivado de um conjunto de crenças professadas. As crenças em questão podem, como dizemos, ser extremamente "irrealistas" e "irracionais". Por outras palavras, podem ter um conteúdo de alta fantasia, de modo que o cumprimento dos objetivos que elas requerem, prometem ao grupo atuante um alto grau de satisfação emocional imediata. Como resultado — ao nível da realidade social e a mais longo prazo — tal cumprimento não acarreta para o grupo portador qualquer outra vantagem além da realização de sua crença. Pode até prejudicá-los. "
― Norbert Elias , The Germans