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1 " Que coisa é o passado? Uma mentira em que todos acreditam, uma espécie de ilusão colectiva credenciada pela urgência de haver um presente. Mais ainda num tempo tão vazio de crenças. É preciso um passado lustroso para haver futuro.(...)o futuro é que escreve o passado.(...)o que começou como poesia acaba se impondo como ciência. São os pássaros que criam o céu. Um rio é tanto a areia do leito como a água da correnteza. (...)A dimensão actual do futebol resulta da falta de dimensão de outras artes e outras festas.(...)Porque nós, meu irmão [Agualusa], nós já andamos a confundir as expectativas dos desavisados há muito. Escritores africanos de raça branca, ambos com nomes que sugerem entidades femininas.(...)Nós dizemos que temos ideias. Mas o inverso também é verdade: as ideias têm-nos a nós. "
― , Granta Portugal 4: África
2 " Gente que anda descalça. Que calça a terra que pisa.(...)Embora admita que, de algum modo, esta orfandade de pertença desenhou nele uma tatuagem cardíaca.(...)é o que acontece quando fazemos turismo; baixamos a guarda.(...)A cidade é um mar que nos pode engolir a qualquer momento, um monstro que nos pode golpear sem aviso, um inferno de variáveis incertezas.(...)Se a velhice me ensinou algo, é isto: a consciência plena dos desperdícios em favor das nossas próprias tolices. "
3 " O dromedário tem o olho do cu mais elegante de todos os animais que conheço, nada tem que ver com a carne rosada e berrante do recto que se vê num cavalo. E produz a mais delicada bosta - uma forma elíptica, muito perfeita, que depressa endurece ao sol. a forma e a textura de uma noz-pecã. "
4 " A incerteza, afinal é o que me faz escrever.(...)escrevo porque estou perdido. Escrevo porque não sei ler mapas.Acredito, finalmente, que a ficção histórica me ajuda a compreender o presente. O que mais me surpreende é descobrir a actualidade de muitas das questões com que as pessoas se debatiam em Angola no século XVII.(...)o poeta (...) usa a palavra para iluminar a solidão. "
5 " está-se escritor, não se é escritor.(...)o caminhar de um leão é uma dança em busca de corpo, o seu olhar foi feito para nos paralisar e nos roubar os sentidos.(...)O escritor faz‑se como todas as pessoas se fazem: olhando o mundo como se fosse pela primeira vez e descobrindo no Tempo algo que pode ainda ser estreado. "
6 " Mas os povos são como as borboletas e, até por defesa identitária, entregam-se à camuflagem, ao mito, em vez de , racionalmente, cultivarem em primeiro lugar as suas perícias. Ilusões que se pagam sempre caro porque haverá sempre andorinhas que as topam.(...)Talvez vivamos no melhor dos mundos possíveis.O mundo, sabe-se, não tem pressa. "