1
" Para Mary, o problema era claro: ali estava uma possibilidade de trabalho, a qual devia ser aproveitada sem hesitação; Feld pagava bem e a atividade televisiva proporcionaria enorme prestígio; todas as semanas, no final do programa de Coelho Hentman, o nome de Chuck, como um dos escritores, surgiria na tela, para todo o mundo não-comuna. Mary sentiria orgulho, e aí residia o fator-chave: o trabalho do marido seria notavelmente criativo. E para Mary, a criatividade era o abre-te-sésamo da vida; o trabalho para a CIA, programando simulacros para propaganda que tagarelavam mensagens para africanos, latino-americanos e asiáticos incultos, não dava asas à criatividade; as mensagens costumavam ser as mesmas e, de qualquer maneira, a CIA era dona de má reputação nos círculos liberais, vanguardistas e sofisticados frequentados por Mary. "
― Philip K. Dick , Clans of the Alphane Moon
2
" Seu trabalho, de que pessoalmente gostava bastante, consistia em programar simulacros do serviço de inteligência do governo Cheyenne, elaborar os intermináveis programas de propaganda, promovendo a desordem no círculo dos Estados Comunistas que circundavam os Estados Unidos. Interiormente, acreditava profundamente em seu trabalho, mas racionalmente não podia qualificá-lo como um ofício nobre ou muito bem pago; os programas por ele elaborados eram no mínimo infantis, espúrios e tendenciosos. O interesse principal ficava por conta de garotos de escola, tanto dos Estados Unidos quanto dos Estados Comunistas vizinhos, além dos contingentes numerosos de adultos de base educacional inferior. Na verdade, ele era um medíocre. O que Mary evidenciara várias e várias vezes.
Medíocre ou não, continuava em seu emprego, embora outros lhe tivessem sido oferecidos durante os seis anos de casamento. Possivelmente porque apreciava ouvir suas próprias palavras pronunciadas pelos simulacros, imitações do homem. Talvez por sentir que a causa em si era fundamental: os Estados Unidos postaram-se na defensiva, política e economicamente, e tinham de proteger-se. Necessitavam de pessoas que trabalhassem para o governo ganhando salários reconhecidamente baixos, em funções desprovidas de qualidades de heroísmo ou projeção. Alguém devia programar os simulacros para a propaganda, os quais eram espalhados em todo o mundo, com o objetivo de realizar o trabalho de representantes das Autoridades de Inteligência Computadorizada, agitando, convencendo, induzindo. Mas… "
― Philip K. Dick , Clans of the Alphane Moon
3
" … the several sub-types of mental illness should be functioning on this world as classes somewhat like those of ancient India. These people here, the hebephrenics, would be equivalent to the untouchables[*]. The maniacs would be the warrior class, without fear; one of the highest.
…
… The paranoids – actually paranoiac schizophrenics – would function as the statesman class; they’d be in charge of developing political ideology and social programs – they’d have the overall world view. The simple schizophrenics (…) [would] correspond to the poet class, although some of them would be religious visionaries – as would be some of the Heebs. The Heebs, however, would be inclined to produce ascetic saints, whereas the schizophrenics would produce dogmatists. Those with polymorphic schizophrenia simplex would be the creative members of the society, producing the new ideas. (…) There could be some with over-valent ideas, psychotic disorders that were advanced forms of milder obsessive-compulsive neurosis, the so-called diencephalic disturbances. Those people would be the clerks and office holders of the society, the ritualistic functionaries, with no original ideas. Their conservatism would balance the radical quality of the polymorphic schizophrenics and give the society stability. "
― Philip K. Dick , Clans of the Alphane Moon
5
" Havia uma aura em torno de Coelho, uma aura de sofrimento. O rosto, o corpo pareciam tomados pelo sofrimento. Sim, ela pensou, é isso que transparece em seu olhar. A lembrança de mágoa muito antiga, mas ainda não esquecida — e jamais seria. Fora concebido, colocado no planeta, para sofrer; não admira ser ele um grande comediante. Para Coelho, a comédia era uma luta, uma batalha contra a realidade da dor física literal; consistia em reação de força descomunal — e eficaz. "
― Philip K. Dick , Clans of the Alphane Moon
12
" If they’ve developed any kind of a stable, viable culture, we’ll leave them alone. But that determination is up to experts such as Dr. Rittersdorf, not to you or to me or the American public. Frankly, we feel there’s nothing more potentially explosive than a society in which psychotics dominate, define the values, control the means of communication. Almost anything you want to name can come out of it—a new, fanatical religious cult, a paranoiac nationalistic state-concept, barbaric destructiveness of a manic sort—these possibilities alone justify our investigation of Alpha III M2. This project is in defense of our own lives and values. "
― Philip K. Dick , Clans of the Alphane Moon
16
" A Dra. Rittersdorf redarguiu, cautelosa: — É notório que vocês se uniram contra um inimigo comum… contra nós. Mas… gostaria de fazer uma aposta antes de chegarmos e outra antes de partirmos, de que vocês se fragmentarão em indivíduos isolados, desconfiados e assustados em relação ao próximo, incapazes de colaborar — Ofereceu um sorriso conciliador, mas demasiado astuto para convencê-lo.
Evidentemente ela estava certa; deixara isto bem claro. Eles não funcionavam juntos harmoniosa e regularmente. Por outro lado, ela também estava errada.
Este fora seu erro: supusera, naturalmente como uma justificativa autodefensiva, que a origem do medo e da hostilidade repousavam no conselho, mas na verdade fora a Terra que lançara mão de táticas ameaçadoras. A chegada da nave consistia em uma atitude francamente hostil… caso contrário, teriam tentado obter a permissão [de entrada]. Os próprios terrestres manifestaram desconfiança inicial; eram eles os responsáveis pelo atual nível de desconfiança mútua. Se quisessem, poderiam ter evitado esse estado de coisas. "
― Philip K. Dick , Clans of the Alphane Moon
18
" — Tenho uma resposta. A liderança nesta sociedade naturalmente recairia sobre os paranoicos, sendo eles superiores em termos de iniciativa e inteligência, além das habilidades comuns inatas. Evidentemente, eles enfrentariam dificuldades para evitar que os maníacos dessem um golpe… a tensão perduraria indefinidamente entre os dois grupos. Mas veja bem, com os paranoicos estabelecendo a ideologia, a base emocional dominante seria o ódio. Na verdade, ódio em dois níveis: a liderança detestaria cada um que estivesse fora de seu grupo e estabeleceria como ponto pacífico que todos os odiavam em resposta. Portanto, a chamada política externa consistiria em estabelecer mecanismos através dos quais pudessem combater este suposto ódio em relação a eles. Este processo envolveria toda a sociedade em uma luta ilusória, em uma batalha contra adversários inexistentes em busca de uma vitória sobre o nada.
— Por que este esquema é tão ruim?
— Porque, não importa como tenha começado, os resultados seriam os mesmos — Mary foi taxativa — isolamento total para essa gente. Este seria, em última análise, o efeito da atividade global desses grupos: cortá-los progressivamente das demais entidades viventes.
— É assim tão negativo? A auto-suficiência…
— Não — fez Mary — Isto não seria auto-suficiência, seria alguma coisa completamente diferente, algo que nem eu nem você conseguimos imaginar. Lembra-se das antigas experiências feitas com pessoas em isolamento absoluto? Em meados do século vinte, quando eles previram a viagem ao espaço, a possibilidade de um homem ficar sozinho durante vários dias, semanas sem fim, com cada vez menos estimulação… lembra-se dos resultados obtidos quando eles colocavam um homem em uma câmara sem que quaisquer estímulos o alcançassem?
— Claro — fez Mageboom — É o que atualmente denominamos the buggies. O resultado da falta de estimulação é a alucinação aguda.
Ela assentiu: — Alucinação auditiva, visual, táctil e olfativa, em substituição a estimulação ausente. Em intensidade, a alucinação é capaz de exceder a força da realidade; com sua intensidade e impacto, o efeito obtido… Por exemplo, estados de terror. Alucinações induzidas por drogas podem deflagrar sentimentos de terror que nenhuma experiência no mundo real pode produzir.
— Por quê?
— Porque a qualidade dessas alucinações é muito superior. Elas foram geradas no interior do sistema receptor dos sentidos e realimentam-se de emanações provenientes não de um ponto distante mas do interior do próprio sistema nervos de uma pessoa. Ela não consegue afastar-se. Não é possível qualquer retirada. "
― Philip K. Dick , Clans of the Alphane Moon