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1 " Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.Praticas laboriosamente os gestos universais,sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronzeou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerrae sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquinae te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.Caminhas entre mortos e com eles conversassobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.A literatura estragou tuas melhores horas de amor.Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrotae adiar para outro século a felicidade coletiva.Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuiçãoporque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan. "
― Carlos Drummond de Andrade , Sentimento do Mundo
2 " O tempo é a minha matéria.O tempo presente, os homens presentes, a vida presente. "
3 " Não, meu coração não é maior que o mundo,É muito menor,Nele não cabem nem as minhas dores.Por isso gosto tanto de me contar.Por isso me dispo,por isso me grito,por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:preciso de todos.(...)Outrora viajeipaíses imaginários, fáceis de habitar,ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.Meus amigos foram às ilhas.Ilhas perdem o homem..Entretanto alguns se salvaram etrouxeram a notíciade que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o mar.Então, meu coração também pode crescer.Entre o amor e o fogo,entre a vida e o fogo,meu coração cresce dez metros e explode. "
4 " Os Ombros Suportam o MundoChega um tempo em que não se diz mais: Meu DeusTempo de absoluta depuraçãoTempo em que não se diz mais: Meu amorPorque o amor resultou inútilE os olhos não choramE as mãos tecem apenas o rude trabalhoE o coração está secoEm vão mulheres batem à porta, não abrirásFicaste sozinho, a luz apagou-seMas na sombra teus olhos resplandecem enormesÉs todo certeza, já não sabes sofrerE nada esperas de teus amigosPouco importa venha a velhice, que é a velhice?Teus ombros suportam o mundoE ele não pesa mais que a mão de uma criançaAs guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifíciosProvam apenas que a vida prossegueE nem todos se libertaram aindaAlguns, achando bárbaro o espetáculoPrefeririam (os delicados) morrerChegou um tempo em que não adianta morrerChegou um tempo em que a vida é uma ordemA vida apenas, sem mistificação "