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1 " Adeus, Ophelinha. Durma e coma, e não perca gramas. "
― Fernando Pessoa , Minha Mulher, a Solidão
2 " Dá a surpresa de ser. É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver Seu corpo meio maduro. Seus seios altos parecem (Se ela tivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada. E a mão do seu braço branco Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado. Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como ? "
3 " Beijem o marido que lhes estiver em cima do corpo e mudem com a imaginação o homem num olhar belo que lhes estiver em cima da alma. "
4 " Minha mulher, a solidão,Consegue que eu não seja triste.Ah, que bom é ao coraçãoTer este bem que não existe!Recolho a não ouvir ninguém,Não sofro o insulto de um carinhoE falo alto sem que haja alguém:Nascem-me os versos do caminho.Senhor, se há bem que o céu concedaSubmisso à opressão do Fado,Dá-me eu ser só — veste de seda —,E fala só — leque animado. "
5 " Sim, sim, sim... Crucificai-me nas navegações E as minhas espáduas gozarão a minha cruz! Atai-me às viagens como a postes E a sensação dos postes entrará pela minha espinha E eu passarei a senti-los num vasto espasmo passivo! Fazei o que quiserdes de mim, logo que seja nos mares, Sobre conveses, ao som de vagas, Que me rasgueis, mateis, fira-os! O que quero é levar pra Morte Uma alma a transbordar de Mar, Ébria a cair das coisas marítimas(...)Ser o meu corpo passivo a mulher-todas-as-mulheres Que foram violadas, mortas, feridas, rasgadas pelos piratas! Ser no meu ser subjugado a fêmea que tem de ser deles E sentir tudo isso -- todas estas coisas duma só vez - pela espinha! "