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1 " DIVINA COMÉDIAErguendo os braços para o céu distanteE apostrofando os deuses invisíveis,Os homens clamam: — «Deuses impassíveis,A quem serve o destino triumfante,Porque é que nos criastes?! IncessanteCorre o tempo e só gera, inestinguíveis,Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,N'um turbilhão cruel e delirante...Pois não era melhor na paz clementeDo nada e do que ainda não existe,Ter ficado a dormir eternamente?Porque é que para a dor nos evocastes?»Mas os deuses, com voz inda mais triste,Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?» "
― Antero de Quental , Sonetos Completos
2 " Noite, vão para ti meus pensamentos,Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,Tanto estéril lutar, tanta agonia,E inúteis tantos ásperos tormentos…Tu, ao menos, abafas os lamentos,Que se exalam da trágica enxovia…O eterno Mal, que ruge e desvaria,Em ti descansa e esquece alguns momentos…Oh! Antes tu também adormecessesPor uma vez, e eterna, inalterável,Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,Dormisse no teu seio inviolável,Noite sem termo, noite do Não-ser. "
3 " Se nos negam aqui o pão e o vinho,Avante! É largo, imenso, esse horizonte…Não, não se fecha o Mundo! E além, defronte,E em toda a parte há luz, vida e carinho! "
4 " Estreita é do prazer na vida a taça:Largo, como o oceano é largo e fundo,E como ele em venturas infecundo,O cális amargoso da desgraça.E contudo nossa alma, quando passaincerta peregrina, pelo mundo,Prazer só pede à vida, amor fecundo,É com essa esperança que se abraça. "