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1 " -Para onde é que vai o Kurika quando morrer, perguntou-me certo dia a minha filha, depois de um dos ataques do cão.-Para onde vamos todos nós.-Mas para onde?-Talvez o Kurika saiba. Eu não "
― Manuel Alegre , Cão Como Nós
2 " (Sei que andas por aí, oiço os teus passos em certas noites, quando me esqueço e fecho as portas começas a raspar devagarinho, às vezes rosnas, posso mesmo jurar que já te ouvi a uivar, cá em casa dizem que é o vento, eu sei que és tu, os cães também regressam, sei muito bem que andas por aí.) "
3 " Houve um poeta que me disse que o mundo, tal como está, pode matar. Não vou deixar que isso aconteça, sei bem que tenho uns ferros no coração e que de repente posso começar a escorregar para dentro de mim mesmo. Então não se consegue parar. Foi isso mesmo que o Zeca Afonso disse no ouvido da mulher quando estava a morrer: Não consigo parar. Sei perfeitamente o que ele queria dizer. Mas não vou deixar que o mundo, tal como está, dê cabo de mim. Tenho as minhas canas de pesca e as minhas espingardas. É sempre possível ir aos robalos, dar uns tiros. Ou então pegar na caneta e vir para aqui falar contigo. Um cão nunca abandona o dono. Mesmo que não te veja sei que estás aí: é quanto me chega. As minhas armas e eu. O meu cão e eu. "
4 " (Zanguei-me com toda a gente, não me deixes agora, é em momentos assim que um homem precisa do seu cão.) "
5 " -Será que o cão tem espírito?, perguntou-me o filho do meio. Olhei para ele surpreendido. E acabei por responder: - Não sei sequer se nós próprios temos espírito ou se é o espírito que nos tem ou está em nós. - É isso o que eu queria dizer. Olha para ele.Era um fim de tarde de Agosto, o cão estava parado frente ao mar, o pêlo muito luzidio, a cabeça levantada, narinas abertas, sorvendo o ar.- Ele está a cheirar o espírito. O espírito da terra, o espírito do vento, o espírito das águas. "