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The Golden House QUOTES

18 " O Joker tinha-se efetivamente tornado um rei e vivia numa casa dourada no céu. Os cidadãos procuravam clichés e faziam por recordar que ainda havia pássaros nas árvores e o céu não tinha desabado e ainda era, muitas vezes, azul. A cidade continuava de pé. E no rádio e nas aplicações de música que soavam nos auscultadores Bluetooth dos jovens descuidados, a vida continuava. Os Yankees continuavam a estar preocupados com a sua rotação de lançamento, os Mets continuavam a fazer fraca figura e os knicks continuavam a estar condenados pela maldição de serem os knicks. A Internet continuava cheia de mentiras e o negócio da verdade estava falido. Os melhores tinham perdido toda a convicção e os piores estavam repletos de uma intensidade apaixonada e a fraqueza dos justos era revelada pela ira dos injustos. Mas a República conservava-se mais ou menos intacta. Permitam-me que o deixe aqui expresso, porque era uma afirmação muitas vezes feita para consolar aqueles de nós que não eram fáceis de consolar. De certo modo é uma ficção, mas eu repito-a. Sei que depois da tempestade vinha outra tempestade, e outra ainda. Sei que o mau tempo vai estar nas previsões meteorológicas para sempre e que os dias felizes não estão de volta e que a intolerância é o que está na moda e o sistema está na realidade viciado, mas não como o palhaço maligno nos tentou fazer crer. Às vezes os maus ganham, e que se faz quando o mundo em que se acredita se revela uma lua de papel e surge um planeta escuro que diz “Não. O mundo sou eu.” Como vivemos no seio dos nossos compatriotas quando não sabemos quais deles se contam entre os mais de sessenta milhões que puseram o horror no poder, quando não podemos distinguir quem figura entre os noventa milhões que encolheram os ombros e ficaram em casa, ou quando os nossos concidadãos nos dizem que saber coisas é elitista e detestam as elites, e tudo aquilo que sempre tivemos é a nossa mente e fomos criados na crença do encanto do conhecimento, não aquele disparate do conhecimento-é-poder, mas sim o conhecimento é beleza, e depois tudo isso, a educação, a arte, a música, os filmes, se torna uma razão para ser abominado, e a criatura surgida do Spiritus Mundi se ergue e avança indolentemente em direção a Washington, DC, para nascer. O que fiz foi recolher-me à vida privada- agarrar-me à vida como a conhecera, ao seu quotidiano e à sua força, e insistir na capacidade do universo moral dos Jardins de sobreviver até ao mais feroz dos ataques. E agora, por conseguinte, deixem a minha história ter os seus momentos derradeiros, no meio do macrolixo que possa haver à volta de lerem isto, seja a manufactrovérsia, qualquer que seja o horror ou a estupidez ou fealdade ou vergonha. Deixem-me convidar o gigantesco rei do cabelo verde de banda desenhada vitorioso, com os seus direitos cinematográficos de um bilião de dólares, a sentar-se no banco traseiro e deixar que sejam as pessoas reais a conduzir o autocarro. As nossas pequenas vidas são talvez a única coisa que logramos compreender... "

Salman Rushdie , The Golden House