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1 " A fragilidade e a pequenez assumem dimensões infinitas conforme a sua raridade, subtileza ou efemeridade. Exercitar este olhar sobre o mundo é um trabalho poético que não só lhe imprime beleza como também glorifica a mortalidade como um dom.Perec, no seu livro "L'ínfra-ordinaire", fala precisamente da importância das pequenas coisas, da atenção que lhes devemos. Noticiam-se grandes desgraças, mas quando vemos o sol a pôr-se num cemitério de Samarcanda, é o poeta que o descreve, não é o jornalista. Os poetas vêem as intermitência da vida, os beijos que demos antes de os darmos, as garças a voar (tão intensas a pincelar o chão com as suas sombras), a chuva a bater na janela, um título esquecido de um romance imperdível, um esgar de maldade, um golo de vinho. Nenhum jornal noticia a chuva a bater na janela, isso é trabalho de um poeta. Não imaginamos a quantidade de coisas, consideradas lixo, que se podem contar ao mundo com uma beleza absurda. Aquilo que não cabe num jornal pode ser precisamente a matéria mais poética. "
― Afonso Cruz , Jalan Jalan - Uma Leitura do Mundo
2 " Lucrécio colocou-nos a seguinte questão: Houve uma eternidade antes de nascermos. Antes não existíamos. Isso é motivo de desespero ou ansiedade? Então por que motivo é que a eternidade que se sucederá depois da morte te provoca uma ansiedade tão grande?Não me preocupar com a minha morte com o argumento de que houve uma eternidade antes de ter nascido e isso não ter sido motivo de angústia, é esquecer a dor de quem sente a perda, dos amigos, dos familiares que irão inevitavelmente sofrer. Isso cria angústia. E esta angústia não é somente fruto da iminência do nosso desaparecimento, mas das consequências que terá em quem amamos. Antes de teres nascido, Lucrécio, não tinhas filhos nem amigos para chorarem a tua morte. O argumento só se sustém na eventualidade de estarmos sozinhos.Para amar pessoas precisamos de ter vivido. Antes disso, não conta, Lucrécio. "
3 " O final feliz depende do momento em que decidimos terminar uma história. Se for logo após a cerimónia de casamento, os protagonistas serão felizes para sempre, se for sete anos depois, já teremos de descrever o divórcio. Se prolongarmos mais, o final incluirá inevitavelmente a morte. “Minha senhora, todas as histórias, se prolongadas o suficiente, terminam com a morte”, disse Hemingway. "