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" You could fall suddenly into the void the dead go to: I would be comforted if you would bequeath me your hands. Only your hands would continue to exist, detached from you, unexplainable like those of marble gods turned into the dust and the limestone of their own tomb. They would survive your actions, the wretched bodies they caressed. They would no longer serve as intermediaries between you and things: they themselves would be changed into things. Innocent again now, since you would no longer be there to turn them into your accomplices, sad like greyhounds without masters, disconcerted like archangels to whom no god gives orders, your useless hands would rest on the lap of darkness. Your open hands incapable of giving or taking the slightest joy would have let me slump like a broken doll. I kiss the wrists of these indifferent hands you will no longer pull away from mine: I stroke the blue artery, the blood column that once spurted continuously like a fountain from the ground of your heart. With little sobs of contentment, I rest my head like a child between these palms filled with the stars, the crosses, the precipices of my previous fate. "
― Marguerite Yourcenar , Fires
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" ele se deixava corroer pelos vermes de suas lembranças/ […] descanso minha cabeça entre essas palmas cheias de estrelas, cruzes e precipícios que um dia compuseram o meu destino./ Pois toda dor à qual nós nos abandonamos transforma-se em serenidade./ […] há muito foi mumificado pela mentira da glória./ Desperto cada noite sob o incêndio do meu próprio sangue./O respeito devido aos mártires acaba por enobrecer o instrumento ignóbil do suplício. Não basta amar as criaturas; é preciso adorar sua miséria, seu aviltamento, sua desgraça./[…] pareço-me com a Morte, a velha amante de Deus./A verdade é que Ele não me salvou nem da morte, nem dos males, nem do crime, porque é através deles que somos salvos. Salvou-me, porém, da felicidade./ Há seis dias, há seis meses… São passados seis anos, passar-se-ão seis séculos… Ah! Morrer para fazer parar o Tempo…[…]/ Falo-te em surdina porque só quando falamos em voz baixa escutamos a nós mesmos./ Toda vez que uma dor vinha até mim eu me apressava em sorrir-lhe para que ela me sorrisse em retribuição./ A ambição é apenas um logro. A sabedoria enganou-se. E o próprio vício mentiu. Não existe nem virtude, nem piedade, nem amor, nem pudor, nem os seus contrários, mas apenas uma concha vazia dançando no alto de uma alegria que é também a Dor, um clarão de beleza na tempestade das formas./ O amor é um castigo. Somos punidos por não termos podido permanecer sós…/ Pois, se o Tempo é o sangue dos vivos, a Eternidade deve ser o sangue das trevas./Criatura magnética, demasiado etérea para o solo, muito carnal para o céu, seus pés besuntados de cera romperam o pacto que nos une à terra./ Safo mergulha, tendo os braços abertos como para abraçar a metade do infinito./ Só se pode construir a felicidade sobre alicerces de desespero. Creio que vou poder começar a construir "
― Marguerite Yourcenar , Fires