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1 " - É por essa janela que costuma voar?Joana Ofélia sorriu.- Qualquer janela serve. Foi Demérita que me ensinou. Basta olharmos através dos vidros, e somos mais livres do que pássaros. As pessoas podem continuar a ver-nos, mas só nós sabemos que há muito que ali não estamos, que voámos com as aves, com o vento, com a poeira da estrada, com a água da chuva. "
― Alice Vieira , Se Perguntarem Por Mim Digam Que Voei
2 " Joana Ofélia sorria:—Não ligue, é feitio dela.—Não ligo. Só ligo à cor dos seus olhos, que ainda não consegui descobrir qual é.—Verdes. Os meus olhos são verdes — dizia Joana Ofélia.—Depende.—De muitas coisas — respondia Pedro Ruiz. — Da luz do dia. Da cortina a balançar na janela. Das palavras que disser. Das palavras que imaginar. Dos sonhos que tiver.Uma tarde estava Joana Ofélia a olhar pela janela, perguntou Pedro Ruiz:— É por essa janela que costuma voar?Joana Ofélia sorriu.— Qualquer janela serve. Foi Demétria quem me ensinou. Basta olharmos através dos vidros, e somos mais livres do que pássaros. As pessoas podem continuar a ver-nos, mas só nós sabemos que há muito que ali não estamos, que voámos com as aves, com o vento, com a poeira da estrada, com a água da chuva.—Palavras sábias lhe ensina Demétria — murmurou Pedro Ruiz, mudando de novo a cor dos seus olhos. («Verdes, definitivamente verdes.»)—Demétria diz que o meu coração só sabe gostar de palavras... — continuou Joana Ofélia.Pedro Ruiz mudou de tinta, mudou de pincéis, olhou várias vezes para o rosto que tinha na sua frente.—...que o meu coração está fechado para as pessoas..Uma brisa ligeira fazia dançar a cortina de renda. No parapeito da janela, bagas da erva-das-sete-sangrias secavam há muito, num velho boião de vidro.—Um dia — disse Pedro Ruiz, quase num sopro de voz — alguém vai chegar para a levar daqui, porque é esse o destino das pessoas.—...que o meu coração não nasceu para ser ligado, e que tudo está no 'Livro de São Cipriano'...Eram dois murmúrios na tarde a cair, duas estradas paralelas para lá da janela, duas sombras na parede da sala.—E há de procurar a cor certa dos seus olhos...(azuis, definitivamente azuis)—... e não há-de encontrá-la, nem aos seus olhos. Porque os seus olhos nasceram com asas, e os olhos que nascem com asas ninguém consegue aprisionar.—...e que um dia hão-de ir à minha procura e eu já terei voado.—Não têm poiso certo, não pertencem a ninguém.Pedro Ruiz estremeceu de repente. Como se acordasse.—Gosto das suas palavras. Lembram as palavras de Demétria — disse Joana Ofélia.—Eu não estava a dizer nada — murmurou Pedro Ruiz — Procurava apenas o tom certo dos seus olhos.—Verde.—Vioeta. Definitivamente violeta. "