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1 " Morrer é quando há um espaço a mais na mesa afastando as cadeiras para disfarçar, percebe-se o desconforto da ausência porque o quadro mais à esquerda e o aparador mais longe, sobretudo o quadro mais à esquerda e o buraco do primeiro prego, em que a moldura não se fixou, à vista, fala-se de maneira diferente esperando uma voz que não chega, come-se de maneira diferente, deixando uma porção na travessa de que ninguém se serve, os cotovelos vizinhos deixam de impedir os nossos e faz-nos falta que impeçam os nossos "
― António Lobo Antunes , Não é Meia Noite Quem Quer
2 " (...) deixava que me tocasse, não lhe tocava, custa-me tocar nas pessoas, herdei isto de si, pai, não é que não me apeteça, há alturas em que me apetece mas se tocasse dissolvia-me nelas e não tornava a ser eu "
3 " uma tarde, isto em julho, quando pensava que o meu marido em Espanha com a outra e o facto de o meu marido em Espanha com a outra não cessa de doer-me, não queria que doesse e não cessa de doer-me, não tenho culpa, há sensações que se agarram, ao encontrar-te na porta fiz-lhe algum mal por acaso e tu a arrumares no braço livros arrumados não, a corares, a recuares um passo, a mentires estou com pressa, a parares junto à cerca um café em cinco minutos serve-lhe e servia-me, não foram cinco minutos, quarenta na mesma mesa com o truque dos guardanapos entre nós não a separar-nos, a unir-nos, as minhas mãos longe, as tuas a pouco e pouco mais próximas, não prestes a tocarem as minhas, a conversarem somente, a maçada das aulas, a família, a bicicleta do teu irmão mais velho, um surdo ata titi ata e eu intrigada com o surdo, a operação ao peito, de passagem, numa frase casual e eu a amar-te ainda mais, que esforço não te abraçar nesse instante, pegar-te ao colo, embalar-te, o teu marido de passagem igualmente, um hipopótamo chamado Ernesto de que ao princípio não descobri o papel e me fez interromper-te, um hipopótamo, até realizar que pequeno e de pano, disse adorava ser pequena e de pano e arrependi-me logo com a pausa embaraçada e o pacote de açúcar torcido nos dedos, eu, a emendar de imediato, adorava ser um boneco de pano porque não conheci nenhum triste, tu, a medires-me as palavras, não sei, e eu, para mim mesma, talvez me tenha salvo "
4 " o meu irmão surdo- Painós sem acreditarmos- Repetee ele nervoso com tanta atenção a gritar e a gritar, mais forte do que as gaivotas e os cachorros no pinhal quando um vizinho doente, uivos compridos que nos esfaqueavam as tripas e a gente a segurá-las até a minha mãe as empurrar para dentro e coser a pele- Não te mexasprotestanto- Estes cãesa barriga cheia de linha branca, no peito que me falta castanha, quer dizer ao princípio castanha agora linha nenhuma, uma cicatriz que se continuar a evoluir bem a gente depois tira e o seu peito como novo "