3
" Fui acusado de ser um utópico, de querer eliminar o desprazer do mundo e defender apenas o prazer. Contudo, tenho declarado claramente que a educação tradicional torna as pessoas incapazes para o prazer encouraçando-as contra o desprazer. Prazer e alegria de viver são inconcebíveis sem luta, experiências dolorosas e embates desagradáveis consigo mesmo. A saúde psíquica não se caracteriza pela teoria do nirvana dos iogues e dos budistas, nem pela hedonismo dos epicuristas, nem pela renúncia monástica; caracteriza-se, isso sim, pela alternância entre a luta desprazerosa e a felicidade, o erro e a verdade, o desvio e a correção da rota, a raiva racional e o amor racional; em suma, estar plenamente vivo em todas as situações da vida. A capacidade de suportar o desprazer e a dor sem se tornar amargurado e sem se refugiar na rigidez, anda de mãos dadas com a capacidade de aceitar a felicidade e dar amor. "
― Wilhelm Reich , The Function of the Orgasm (Discovery of the Orgone #1)
14
" Primeiro, "do próprio corpo do sujeito, que está destinado à decadência e à desintegração... " Por que é, então, que a ciência está sempre sonhando com o prolongamento da vida?
Segundo... "do mundo exterior, que pode enfurecer-se contra nós corri força esmagadora, inexorável e destruidora..." Por que, então, grandes humanistas passaram a metade da vida pensando nas maneiras de melhorar este mundo? Por que milhões de heróis da liberdade deram a vida na luta contra esse mundo exterior ameaçador, tanto no contexto social como no tecnológico? A peste não havia sido vencida, afinal? A escravidão física e social não havia sido reduzida? Não seria possível, jamais, dominar o câncer e a guerra, como a peste havia sido dominada? Nunca seria possível vencer a hipocrisia moralista , que mutila as nossas crianças e os nossos adolescentes?
O terceiro argumento contra o anseio humano de felicidade era sério, e permaneceu inexplicado. O sofrimento causado pelas relações do sujeito com outras pessoas, disse Freud, é mais doloroso que qualquer outro. As pessoas têm a tendência de encará-lo como um aborrecimento superficial, mas não é menos fatal ou mais evitável do que o sofrimento que tem outras origens. Aqui, Freud dá voz às suas próprias experiências amargas com a espécie humana. Aqui, atinge o problema econômico-sexual de estrutura, i.e., a irracionalidade que determina o comportamento de um homem. Eu mesmo tive dolorosa amostra disso na organização psicanalítica, organização cuja tarefa profissional deveria consistir no controle médico do comportamento irracional. Agora Freud estava dizendo que esse sofrimento era fatal e inevitável. Mas por quê? Que sentido havia, então, em focalizar o comportamento através da perspectiva de métodos científicos e racionais? Que sentido havia em defender a educação do homem para um comportamento racional e orientado para a realidade? Por alguma razão inexplicável, Freud não conseguia ver a crescente contradição da sua atitude. Por um lado, estava certo ao reduzir a conduta e o pensamento humanos aos motivos irracionais inconscientes. Entretanto levara isso longe demais: o impulso de derrubar uma árvore para construir uma cabana não é de origem irracional. Por outro lado, havia uma visão científica do mundo na qual a lei por ele descoberta não era válida. Era uma ciência que transcendia os seus próprios princípios! A resignação de Freud era apenas uma fuga à enorme dificuldade apresentada pela patologia que se contém no comportamento humano — a malícia do homem. Freud estava desiludido. A princípio, pensava haver descoberto a terapia radical das neuroses. Na realidade, isso fora apenas um começo. Era muito mais complicado do que sugeria a fórmula de tornar o inconsciente consciente. Sustentava que a psicanálise podia abraçar não apenas problemas médicos, mas problemas universais da existência humana. "
― Wilhelm Reich , The Function of the Orgasm (Discovery of the Orgone #1)
15
" Os psicanalistas aceitavam, sem questioná-la, a antítese absoluta entre natureza (instinto, sexualidade) e cultura (moralidade, trabalho e dever) e chegaram à conclusão de que "a sobrevivência dos impulsos" está em desacordo com a cura. Levei muito tempo para superar o meu medo a esses impulsos. Era claro que os impulsos anti-sociais que enchem o inconsciente são viciosos e perigosos apenas enquanto está bloqueada a descarga de energia biológica por meio da sexualidade. Se este é o caso, há apenas, basicamente, três saídas patológicas: impulsividade autodestrutiva desenfreada (vício, alcoolismo, crime causado por sentimentos de culpa, impulsividade psicopata, assassínio sexual, violação de crianças, etc.); neuroses de caráter por inibição dos instintos (neurose compulsiva, histeria de angústia, histeria de conversão); e psicoses funcionais (esquizofrenia, paranoia, melancolia ou insanidade maníaco-depressiva). Estou omitindo os mecanismos neuróticos operantes na política, na guerra, no casamento, na educação das crianças, etc., todos eles conseqüências da falta de satisfação genital de milhões de pessoas. "
― Wilhelm Reich , The Function of the Orgasm (Discovery of the Orgone #1)
16
" A nossa bexiga imaginária pode expandir-se e contrair-se. Pode expandir-se até um grau
extraordinário e então, com poucas contrações, relaxar-se. Pode estar flácida, tensa, relaxada ou excitada. Pode concentrar as cargas elétricas, junto com os fluidos que as transmitem de um lugar para outro, com intensidade variável. Pode conservar certas partes em um estado de tensão contínua e outras partes em um estado de contínuo movimento. Se a apertássemos de um lado, uma tensão e uma carga aumentadas apareceriam imediatamente em outra parte. Se nos esforçássemos realmente por manter uma pressão constante sobre a superfície toda, i.e., impedindo-a de expandir-se apesar da
contínua produção interior de energia, ficaria eia um perpétuo estado de angústia; quer dizer que se sentiria constrangida e limitada. Se pudesse falar, pediria que a livrássemos dessa situação torturante. A bexiga não se importaria com o que lhe acontecesse, contanto que o movimento e a mudança fossem reintroduzidos no seu estado comprimido e rígido. Como não poderia efetuar essa mudança por sua própria iniciativa, alguém teria de fazê-lo, por exemplo girando-a no espaço (ginástica); amassando-a (massagem); furando-a, se necessário (fantasia de estar sendo aberta com furos); machucando-a (fantasia masoquista de apanhar, Haraquiri); e, se nada mais ajudasse, dissolvendo-a, destruindo-a, desintegrando-a (Nirvana, morte sacrificial) . Uma sociedade formada de semelhantes bexigas criaria as filosofias mais idealísticas a respeito do "estado de ausência de sofrimento". Como qualquer extensão em direção ao prazer ou motivada pelo prazer poderia ser sentida somente como dolorosa, a bexiga desenvolveria um medo à excitação agradável (angústia de prazer) e criaria teorias sobre a "maldade", a "propensão para o pecado" e a "ação destrutiva" do prazer. Em suma, seria um asceta do século vinte. Conseqüentemente, teria medo de qualquer ideia de possibilidade da tão ardentemente desejada relaxação; e então odiaria semelhante ideia e finalmente perseguiria e mataria qualquer um que falasse a respeito. Juntar-se-ia a outros seres igualmente constituídos, peculiarmente rígidos, e traçariam rígidas normas de vida. Essas normas teriam a função única de garantir a menor produção possível de energia interior, i.e., de garantir a tranqüilidade, a resignação, e a continuidade das reações habituais. Faria quaisquer tentativas inadequadas para dominar os excedentes de energia interior que não pudessem ser utilizados através do prazer natural ou do movimento. Por exemplo, criaria insensatas ações sádicas ou cerimônias de natureza essencialmente automática e de pequena
finalidade (comportamento religioso compulsivo). As metas realistas se desenvolvem por si mesmas e, portanto, obrigam ao movimento e ao desassossego aqueles que se movem em direção a elas. "
― Wilhelm Reich , The Function of the Orgasm (Discovery of the Orgone #1)