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" Mas me chamavam na porta da rua! Batiam nela como se a quisessem derrubar! Não só chamavam: queriam entrar… Para que iriam querer entrar se não para me assassinar? E eu estava sozinha… Deveriam saber… sabiam perfeitamente, por isso tinham vindo… Eram ladrões, vinham saquear a casa, na mais benévola das hipóteses… Estava em minhas mãos impedir isso, mas minhas mãos eram tão fracas… Tremia feito gelatina, detrás da porta… Por que tinham me deixado sozinha? O que era tão importante para que eles tivessem que me abandonar?
O pior é que… eram eles… Eram papai e mamãe os que estavam chamando na porta! Os dois monstros tinham assumido a forma de papai e mamãe… Não sei como os enxergava, suponho que pelo buraco da fechadura, que eu alcançava ficando na ponta dos pés… Eu me arrepiava dos pés à cabeça, me congelava… ao vê-los tão idênticos… tinham roubado seu rosto, a roupa, o cabelo... de papai muito pouco, porque era careca, mas os cachos ruivos de mamãe… Eram símiles perfeitos, sem erros… O trabalho que tiveram! Esses seres que não tinham forma, ou que não a revelavam para mim… esses simulacros… suas péssimas intenções… O espanto me gelava o sangue, não podia pensar… "

César Aira , Cómo me hice monja / La costurera y el viento


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César Aira quote : Mas me chamavam na porta da rua! Batiam nela como se a quisessem derrubar! Não só chamavam: queriam entrar… Para que iriam querer entrar se não para me assassinar? E eu estava sozinha… Deveriam saber… sabiam perfeitamente, por isso tinham vindo… Eram ladrões, vinham saquear a casa, na mais benévola das hipóteses… Estava em minhas mãos impedir isso, mas minhas mãos eram tão fracas… Tremia feito gelatina, detrás da porta… Por que tinham me deixado sozinha? O que era tão importante para que eles tivessem que me abandonar?<br />O pior é que… eram eles… Eram papai e mamãe os que estavam chamando na porta! Os dois monstros tinham assumido a forma de papai e mamãe… Não sei como os enxergava, suponho que pelo buraco da fechadura, que eu alcançava ficando na ponta dos pés… Eu me arrepiava dos pés à cabeça, me congelava… ao vê-los tão idênticos… tinham roubado seu rosto, a roupa, o cabelo... de papai muito pouco, porque era careca, mas os cachos ruivos de mamãe… Eram símiles perfeitos, sem erros… O trabalho que tiveram! Esses seres que não tinham forma, ou que não a revelavam para mim… esses simulacros… suas péssimas intenções… O espanto me gelava o sangue, não podia pensar…