Home > Author > Søren Kierkegaard >

" Quem alcançou neste mundo grandeza igual à dessa bendita mulher, a mãe de Deus, a virgem Maria? No entanto, como se fala dela? A sua grandeza não provém do fato de ter sido bendita entre as mulheres, e se uma estranha coincidência não levasse a assembléia a pensar com a mesma desumanidade do predicador, qualquer jovem devia, seguramente, perguntar: Por que não fui eu também bendita entre as mulheres? Se se não possuísse outra resposta, de forma alguma acharia ter de rejeitar esta pergunta, pretextando a sua falta de senso; porque, no abstrato, em presença de um favor, todos temos mesmos direitos. São esquecidos a tribulação, a angústia, o paradoxo. Meu pensamento é tão puro como o de qualquer outro; e ele purifica-se, exercendo-se sobre as coisas. E se não se enobrecer pode-se então esperar pelo espanto; porque se essas imagens foram alguma vez evocadas jamais poderão ser esquecidas. E se contra elasse peca, extraem da sua muda cólera uma terrível vingança, mais terrível do que os rugidos de dez ferozes críticos. Maria,indubitavelmente, deu à luz o filho graças a um milagre, mas no decorrer de tal acontecimento foi como todas as outras mulheres, e esse tempo é o da angústia, da tribulação e do paradoxo. O anjo foi,sem dúvida, um espírito caritativo, mas não foi complacente porque não foi dizer a todas as outras virgens de Israel: Não desprezeis Maria, porque lhe sucedeu o extraordinário. Apresentou-se perante ela só e ninguém a pôde compreender. No entanto, que outra mulher foi mais ofendida do que Maria? Pois não é também verdade que aquele a quem Deus abençoa é também amaldiçoado com o mesmo sopro do seu espírito? É desta forma que se torna necessário, espiritualmente,compreender Maria. Ela não é, de maneira alguma, uma formosa dama que brinca com um deus menino, e até me sinto revoltado ao dizer isto e muito mais ao pensar na afetação e ligeireza de tal concepção. Apesar disso, quando diz: sou a serva do Senhor, ela é grande e imagino que não deve ser difícil explicar por que razão se tornou mãe de Deus. Não precisa, absolutamente nada, da admiração do mundo, tal como Abraão não necessita de lágrimas,porque nem ela foi uma heroína, nem ele foi um herói. E não se tornaram grandes por terem escapado à tribulação, ao desespero e ao paradoxo, mas precisamente porque sofreram tudo isso. Há grandeza em ouvir dizer ao poeta, quando apresenta o seu herói trágico à admiração dos homens: chorai por ele; merece-o; porque é grandioso merecer as lágrimas dos que são dignos de as derramar;há grandeza em ver o poeta conter a multidão, corrigir os homens e analisá-los um por um para verificar se são dignos de chorar pelo herói, porque as lágrimas dos vulgares chorões profanam o sagrado.Contudo ainda é mais grandioso que o cavaleiro da fé possa dizer ao nobre caráter que quer chorar por ele: não chores por mim, chora antes por ti próprio. "

Søren Kierkegaard


Image for Quotes

Søren Kierkegaard quote : Quem alcançou neste mundo grandeza igual à dessa bendita mulher, a mãe de Deus, a virgem Maria? No entanto, como se fala dela? A sua grandeza não provém do fato de ter sido bendita entre as mulheres, e se uma estranha coincidência não levasse a assembléia a pensar com a mesma desumanidade do predicador, qualquer jovem devia, seguramente, perguntar: Por que não fui eu também bendita entre as mulheres? Se se não possuísse outra resposta, de forma alguma acharia ter de rejeitar esta pergunta, pretextando a sua falta de senso; porque, no abstrato, em presença de um favor, todos temos mesmos direitos. São esquecidos a tribulação, a angústia, o paradoxo. Meu pensamento é tão puro como o de qualquer outro; e ele purifica-se, exercendo-se sobre as coisas. E se não se enobrecer pode-se então esperar pelo espanto; porque se essas imagens foram alguma vez evocadas jamais poderão ser esquecidas. E se contra elasse peca, extraem da sua muda cólera uma terrível vingança, mais terrível do que os rugidos de dez ferozes críticos. Maria,indubitavelmente, deu à luz o filho graças a um milagre, mas no decorrer de tal acontecimento foi como todas as outras mulheres, e esse tempo é o da angústia, da tribulação e do paradoxo. O anjo foi,sem dúvida, um espírito caritativo, mas não foi complacente porque não foi dizer a todas as outras virgens de Israel: Não desprezeis Maria, porque lhe sucedeu o extraordinário. Apresentou-se perante ela só e ninguém a pôde compreender. No entanto, que outra mulher foi mais ofendida do que Maria? Pois não é também verdade que aquele a quem Deus abençoa é também amaldiçoado com o mesmo sopro do seu espírito? É desta forma que se torna necessário, espiritualmente,compreender Maria. Ela não é, de maneira alguma, uma formosa dama que brinca com um deus menino, e até me sinto revoltado ao dizer isto e muito mais ao pensar na afetação e ligeireza de tal concepção. Apesar disso, quando diz: sou a serva do Senhor, ela é grande e imagino que não deve ser difícil explicar por que razão se tornou mãe de Deus. Não precisa, absolutamente nada, da admiração do mundo, tal como Abraão não necessita de lágrimas,porque nem ela foi uma heroína, nem ele foi um herói. E não se tornaram grandes por terem escapado à tribulação, ao desespero e ao paradoxo, mas precisamente porque sofreram tudo isso. Há grandeza em ouvir dizer ao poeta, quando apresenta o seu herói trágico à admiração dos homens: chorai por ele; merece-o; porque é grandioso merecer as lágrimas dos que são dignos de as derramar;há grandeza em ver o poeta conter a multidão, corrigir os homens e analisá-los um por um para verificar se são dignos de chorar pelo herói, porque as lágrimas dos vulgares chorões profanam o sagrado.Contudo ainda é mais grandioso que o cavaleiro da fé possa dizer ao nobre caráter que quer chorar por ele: não chores por mim, chora antes por ti próprio.