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" É esta a mais grandiosa história dos homens, a de tudo o que estremece, sonha, espera e tenta, sob a carapaça da sua consciência, sob a pele, sob os nervos, sob os dias felizes e monótonos, os desejos concretos, a banalidade que escorre das suas vidas, os seus crimes e as suas redenções, as suas vítimas e os seus algozes, a concordância dos seus sentidos com a sua moral. Tudo o que vivemos nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia, desespero e vaga vibração. O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol, para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstrato, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome. "
― Agustina Bessa-Luís , A Sibila
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" A avó, já velhíssima então, proporcionava-lhe um assombro inquieto, pois, perdendo o equilíbrio das suas faculdades, parecia que se desumanizava. Falava muito, sempre coisas da sua juventude, e não compreendia que o marido tivesse morrido. “Quando o teu pai vier...” — dizia a Quina. Ou: “Prepara-lhe aí um bocado de vinho quente, para que o tome quando chegar.” E Quina respondia, invariavelmente e com modo cheio de doçura. “Sim, minha mãe. Já vou, senhora.” Nestes momentos, Germa cravava nas duas os olhos atemorizados e duvidosos; era como se o espaço extensíssimo duma época que não vivera se lhe colocasse diante, sem que ela deixasse de sentir-se expulsa, mais do que distante, desse tempo morto, porém inesgotável. "
― Agustina Bessa-Luís , A Sibila