Home > Author > Étienne de La Boétie >

" Pois, em verdade, o que é aproximar-se do tirano senão recuar mais de sua liberdade e, por assim dizer, apertar com as duas mãos e abraçar a servidão? Que ponham um pouco de lado sua ambição e que se livrem um pouco de sua avareza, e depois, que olhem-se a si mesmos e se reconheçam; e verão claramente que os aldeões, os camponeses que espezinham o quanto podem e os tratam pior do que a forçados ou escravos — verão que esses, assim maltratados, são no entanto felizes e mais livres elo que eles. O lavrador e o artesão, ainda que subjugados, ficam quites ao fazer o que lhes dizem; mas o tirano vê os outros que lhe são próximos trapaceando e mendigando seu favor; não só é preciso que façam o que diz mas que pensem o que quer e amiúde, para satisfazê-lo, que ainda antecipem seus pensamentos. Para eles não basta obedecê-lo, também é preciso agradá-lo, é preciso que se arrebentem, que se atormentem, que se matem de trabalhar nos negócios dele; e já que se aprazem com o prazer dele, que deixam seu gosto pelo dele, que forçam sua compleição, que despem o seu natural, é preciso que estejam atentos às palavras dele, à voz dele, aos sinais dele, e aos olhos dele; que não tenham olho, pé, mão, que tudo esteja alerta para espiar as vontades dele e descobrir seus pensamentos. Isso é viver feliz? Chama-se a isso, viver? Há no mundo algo menos suportável do que isso, não digo para um homem de coração, não digo para um bem-nascido, mas apenas para um que tenha o senso comum ou nada mais que a face de homem? Que condição é mais miserável que viver assim, nada tendo de seu, recebendo de outrem sua satisfação, sua liberdade, seu corpo e sua vida? "

Étienne de La Boétie , The Politics of Obedience: The Discourse of Voluntary Servitude


Image for Quotes

Étienne de La Boétie quote : Pois, em verdade, o que é aproximar-se do tirano senão recuar mais de sua liberdade e, por assim dizer, apertar com as duas mãos e abraçar a servidão? Que ponham um pouco de lado sua ambição e que se livrem um pouco de sua avareza, e depois, que olhem-se a si mesmos e se reconheçam; e verão claramente que os aldeões, os camponeses que espezinham o quanto podem e os tratam pior do que a forçados ou escravos — verão que esses, assim maltratados, são no entanto felizes e mais livres elo que eles. O lavrador e o artesão, ainda que subjugados, ficam quites ao fazer o que lhes dizem; mas o tirano vê os outros que lhe são próximos trapaceando e mendigando seu favor; não só é preciso que façam o que diz mas que pensem o que quer e amiúde, para satisfazê-lo, que ainda antecipem seus pensamentos. Para eles não basta obedecê-lo, também é preciso agradá-lo, é preciso que se arrebentem, que se atormentem, que se matem de trabalhar nos negócios dele; e já que se aprazem com o prazer dele, que deixam seu gosto pelo dele, que forçam sua compleição, que despem o seu natural, é preciso que estejam atentos às palavras dele, à voz dele, aos sinais dele, e aos olhos dele; que não tenham olho, pé, mão, que tudo esteja alerta para espiar as vontades dele e descobrir seus pensamentos. Isso é viver feliz? Chama-se a isso, viver? Há no mundo algo menos suportável do que isso, não digo para um homem de coração, não digo para um bem-nascido, mas apenas para um que tenha o senso comum ou nada mais que a face de homem? Que condição é mais miserável que viver assim, nada tendo de seu, recebendo de outrem sua satisfação, sua liberdade, seu corpo e sua vida?