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" Ao empurrar o carro-lavatório para fora do quarto, Kien ouviu, num tom mais agudo do que nunca, a pergunta: "Já se levantou?". Que direito tinha essa mulher de berrar com tanta força, de manhã cedinho? Ele nem bem acordara! Ah, sim! Ele lhe prometera um livro. Nada, a não ser um romance, poderia servir. Mas só à base de romances nenhum espírito consegue evoluir. O prazer que tal leitura pode oferecer não compensa o desgaste do caráter. Com os romances aprendemos a nos meter nos sentimentos de toda espécie de gente. Daí, adquire-se um gosto pela mudança contínua. Facilmente, convertemo-nos em personagens que nos agradam. Todo e qualquer comportamento passa a ser compreensível. Docilmente, entregamo-nos a propósitos alheios, e assim perdemos de vista, por muito tempo, os nossos próprios. Romances são cunhas que o autor -- um comediante que escreve -- faz penetrar na personalidade compacta de seus leitores. Quanto mais exatos seus cálculos sobre o tamanho da cunha e a capacidade de resistência, maior a fenda na personalidade. Os romances deviam ser proibidos pelo Estado. "

Elias Canetti , Auto-da-Fé


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Elias Canetti quote : Ao empurrar o carro-lavatório para fora do quarto, Kien ouviu, num tom mais agudo do que nunca, a pergunta: