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" A verdade é algumas vezes o escolho de um romance.
Na vida real recebemo-la como ela sai dos encontrados casos ou da lógica
implacável das coisas; mas, na novela, custa-nos a sofrer que o autor, se inventa, não invente melhor; e, se copia, não minta por amor da arte.
Um romance que estriba na verdade o seu merecimento é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos, nem tira a gente, sequer uma
temporada, enquanto ele nos lembra, deste jogo de nora, cujos alcatruzes somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela manivela do egoísmo.
A verdade! Se ela é feia, para que oferecê-la em painéis ao público!?
A verdade do coração humano! Se o coração humano tem filamentos de
ferro que o prendem ao barro donde saiu, ou pesam nele e o submergem no charco da culpa primitiva, para que é emergi-lo, retratá-lo e pô-lo à venda!?
Os reparos são de quem tem o juízo no seu lugar; mas, pois que eu perdi o
meu a estudar a verdade, já agora a desforra que tenho é pintá-la como ela é, feia e repugnante.
A desgraça afervora ou quebranta o amor?
Isto é que eu submeto à decisão do leitor inteligente. Fatos e não teses é o
que eu trago para aqui. O pintor retrata uns olhos, e não explica as funções ópticas do aparelho visual. "

Camilo Castelo Branco , Amor de Perdição


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Camilo Castelo Branco quote : A verdade é algumas vezes o escolho de um romance. <br />Na vida real recebemo-la como ela sai dos encontrados casos ou da lógica <br />implacável das coisas; mas, na novela, custa-nos a sofrer que o autor, se inventa, não invente melhor; e, se copia, não minta por amor da arte. <br />Um romance que estriba na verdade o seu merecimento é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos, nem tira a gente, sequer uma <br />temporada, enquanto ele nos lembra, deste jogo de nora, cujos alcatruzes somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela manivela do egoísmo. <br />A verdade! Se ela é feia, para que oferecê-la em painéis ao público!? <br />A verdade do coração humano! Se o coração humano tem filamentos de <br />ferro que o prendem ao barro donde saiu, ou pesam nele e o submergem no charco da culpa primitiva, para que é emergi-lo, retratá-lo e pô-lo à venda!? <br />Os reparos são de quem tem o juízo no seu lugar; mas, pois que eu perdi o <br />meu a estudar a verdade, já agora a desforra que tenho é pintá-la como ela é, feia e repugnante. <br />A desgraça afervora ou quebranta o amor? <br />Isto é que eu submeto à decisão do leitor inteligente. Fatos e não teses é o <br />que eu trago para aqui. O pintor retrata uns olhos, e não explica as funções ópticas do aparelho visual.