" Transporte, 1964
Meu pai,
viajamos juntos nesta província
fronteira
entre o mar e o coração.
Jangadas, pessoas, gritos, habitam a praça
inerte
entre a minha e tua mão.
Viajamos distraídos, ombro a ombro
confundidos
numa estrada de poeira:
infindável direção.
Mas não me viste, meu pai: sopro de ave,
galera,
serrania de algodão,
não viste se desfazendo, em homem
degenerando
persistência e distração.
Não viste a rama florida, a barba,
material de conduta,
o orgulho em profusão,
e juntos nos separamos, no sangue
e na identidade
desta curva indistinta:
Travessia e geração.
:::
[...]
(vida curta, longo mar)
[...]
:::
Fábula, 1965
Minha pátria é minha infância.
Por isso vivo no exílio.
Talvez o barco contasse
deste percurso no tempo.
De como seria o escafandro
isento de tal mergulho.
Minha pátria é sob a pele:
Cargueiro no mar de névoa.
Antigamente os conflitos
não aspiravam a ser.
De como fiquei trancado
na torre em que era dono.
E a certeza como faca
engolindo a própria lâmina.
De como se libertaram
os mitos presos na forca,
e o exato espanto vindo da terra,
dos gestos do imperador. "
― Cacaso , A palavra cerzida